As corporações transnacionais e o pacote da “revolução verde”

Por que em um mundo com ampla tecnologia e ampla produção no campo ainda há fome e insegurança alimentar? Vários autores e autoras tem tentado responder a essa simples questão. Afinal como pode haver escassez em meio à abundância?

O Prof. Dr. Henrique Tahan Novaes é docente da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista, campus Marília. Nesse artigo, o professor do programa de pós graduação em Educação demonstra como a chamada “revolução verde” ao invés de resolver os problemas da população, criou corporações gigantescas e transnacionais com lucros estratosféricos. Ele discute como essas corporações tem mais poder que muitos países e atuam em todas as esferas da vida, desde a informação até o mercado chamado “sustentável.

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As corporações transnacionais e o pacote da “revolução verde”
Por:Prof. Dr. Henrique Tahan Novaes – hetanov@gmail.com

A “revolução verde” na agricultura deveria ter resolvido de uma vez por todas o problema da fome e da desnutrição. Ao contrário, criou corporações-monstro, como a Monsanto, que estabeleceram de tal forma seu poder em todo o mundo, que será necessária uma grande ação popular voltada às raízes do problema para erradicá-lo. Contudo, a ideologia das soluções estritamente tecnológicas continua a ser propagandeada até hoje, apesar de todos os fracassos (István Mészáros, O poder da ideologia)

Faz alguns meses fomos “surpreendidos” por duas notícias: a) a fusão da Bayer com a Monsanto, duas “corporações-monstro” agora muito maiores; b) a ONU anunciou que o Sudão do Sul entrou no mapa da insegurança alimentar.

Segundo outro relatório da ONU, 5 bilionários detém a riqueza equivalente a metade da população mundial. Cerca de 1 bilhão de pessoas passam fome diariamente. Ao que tudo indica, não há nenhuma perspectiva de melhora na distribuição da renda mundial, ao contrário, os relatórios da ONU nos mostram a concentração da renda em níveis jamais vistos.

Com as “corporações-monstro” cada vez mais livres para avançar na mercantilização da vida, no domínio de territórios e livre circulação das suas ações nas bolsas de valores, as catástrofes humanitárias como a do Sudão do Sul irão se reproduzir em escala cada vez maior. Nos relatórios da ONU se fala em “administração da pobreza” e não mais superação da pobreza ou em “estratégias de desenvolvimento”.

O avanço das políticas neoliberais baseadas na privatização direta e indireta de serviços públicos, enfim, do Estado mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital financeiro, a barbárie só ganha mais combustível: teremos o surgimento de mais e mais favelas, aumento das taxas de desemprego e subemprego, fechamento de escolas rurais, guerras de baixa intensidade, ressurgimento do fascismo, dentre outras.

Jean Ziegler, no livro “Destruição em massa – geopolítica da fome” – chama as corporações capitalistas de “Tubarões-Tigre”. Trata-se de um nome bastante sugestivo para representar a ofensiva das corporações em todas as esferas da nossa vida. Como vimos, Mészáros as denomina de “corporações-monstro”. Outros preferem denominá-las de “Polvos”, cheios de tentáculos.

Atuando como verdadeiros Estados Nacionais, sendo muitas delas mais fortes que muitos países, as corporações transnacionais jogam seus tentáculos ou seus dentes vorazes e afiados em tudo e em todos.

Na virada do século XIX para o século XX, como nos mostrou Lenin em “Imperialismo – fase superior do capitalismo” – há o surgimento das grandes corporações capitalistas. Já não estamos mais diante do capitalismo concorrencial registrado por Karl Marx em “O Capital”, quando este descreveu a revolução industrial.

No século XX as gigantes corporações capitalistas monopolistas e oligopolistas lançaram novos produtos no mercado, novas formas de gerir a força de trabalho, promoveram guerras, derrubaram governos, assassinaram lideranças de movimentos sociais, roubaram terras, provocaram inúmeros desastres socioambientais, dentre outros.

No filme “A corporação” (The Corporation) é possível ver a ascensão das corporações e seus tentáculos em todas as dimensões da vida. Juridicamente são impessoais, mas têm por trás bilionários, fundos de pensão, gestores que buscam a incessante autovalorização do capital.

A partir dos anos 1960, dentro do projeto de expansão rumo à América Latina, à China, e de destruição do Estado de Bem Estar Social na Europa, há uma nova investida das corporações capitalistas. Através do desenvolvimento tecnológico que gerou novos produtos e novos processos, com pesquisas científicas para manipular a mente humana para o consumo, e aumentar o engajamento dos trabalhadores no chão de fábrica, os “tubarões tigre” passam a ter um verdadeiro sistema de controle social, uma espécie de “Big Brother Corporativo” em paralelo aos sistemas de informação dos Estados Nacionais.

Nos dias de hoje, o controle realizado pelas corporações capitalistas em nossas vidas é estarrecedor. Elas controlam tudo que fazemos no trabalho, nosso e-mail, descobrem hábitos de consumo com sites espiões, usam drones para matar e fazer entregas. No Facebook acompanham a sua “imagem” e atuam rapidamente se algum problema vier a acontecer.

Muitas corporações capitalistas de altíssimo calibre das indústrias de agrotóxicos, transgênicos, tratores e implementos agrícolas e na comercialização de commodities, produzem inúmeros danos para a classe trabalhadora, como roubo de terras, envenenamento dos produtores e consumidores, aumento das alergias, endividamento de pequenos e médios produtores, etc. No site de uma dessas corporações aparece que ela é produtora de “defensivos agrícolas” e que contribui para “matar a fome da humanidade”. Em Minas Gerais, a Vale coproprietária da Samarco, gerou uma verdadeira irresponsabilidade social empresarial em 2015. Ainda em 2015, as corporações promoveram outra irresponsabilidade, jogando 2 milhões de trabalhadores/as no desemprego.

Segundo Bhagavan:

A irrigação, os fertilizantes, os pesticidas, a mecanização agrícola e as instalações para o bom armazenamento dos grãos são os ingredientes tecnológicos essenciais na estratégia da alta-variedade-de-produção (high-yieldind-variety, HYV) da revolução verde. Os ingredientes econômicos essenciais são a disponibilidade de crédito e bons preços de insumos para os fazendeiros. A disponibilidade desigual desses ingredientes tecnológicos e econômicos produziu um grande aumento nas disparidades existentes entre os estados e entre as diferentes classes de fazendeiros nos estados. Os estados com boa irrigação, em que os fazendeiros de nível médio constituem a maioria dos agricultores… mostraram índices de crescimento anual na produção de cereais… A maior parte da revolução verde ocorreu nesses três estados. Os estados com pouca irrigação, com pequenos e marginais camponeses e trabalhadores sem terra compondo a maioria rural… registraram índices muito baixos de crescimento da produção de cereais… Falando de modo geral, não mais de meia dúzia dos 22 estados da índia (excluindo-se os nove territórios federados) têm se beneficiado da estratégia da HYV, e neles os benefícios atingiram principalmente os médios e grandes fazendeiros.

Em 2015, dois “tubarões-tigre” da revolução verde se fundiram. Bayer e Monsanto que já dominavam fatias expressivas da produção de agrotóxicos, transgênicos e remédios juntaram-se. As consequências da “revolução verde” foram narradas por pesquisadores, documentaristas, cientistas, intelectuais orgânicos de movimentos sociais, dentre outros.

Ziegler, no livro “Destruição em massa – a nova geopolítica da fome” nos mostra o irracionalismo da produção de mercadorias, isto é, a produção voltada para acumulação de capital e todas as consequências que este modo de produção traz para a humanidade.

Rogério Macedo, dialogando com Ziegler, observa que está havendo a destruição da força de trabalho” e isso tem nome: catástrofe humanitária. Para ele:

O fenômeno possui duas dimensões: uma sistêmica e uma específica. A primeira diz respeito à conversão de todo o sistema do capital em máquina de destruição em massa, pela subtração das condições mínimas de reprodução da classe trabalhadora global , processo regido pela clássica lei absoluta  geral da acumulação capitalista . A essa dimensão, denomina-se complexo sistêmico destrutivo dos trabalhadores: em tudo agravado pela presença determinante da crise estrutural. A segunda dimensão consiste em parcela pontual do supracitado complexo (igualmente regida pela lei geral da acumulação) que é a responsável imediata pelo bloqueio das positividades envolvidas com o crescimento da produção e comercialização de alimentos. A ela, dar-se-á a denominação complexo da fome e da degradação dos hábitos alimentares. Portanto, são duas dimensões mutuamente determinadas, uma contida dentro da outra: todas profundamente destrutivas, determinadas pela crise estrutural, levada a tal pela mundialização do capital.

Esquematicamente, pode-se dizer: a destruição em massa da força de trabalho é a consequência; o referido complexo da fome e da degradação dos hábitos alimentares é parcela do sistema do capital; seus mecanismos são as epidemias da fome e a degradação dos hábitos alimentares.

Não contentes em produzir mercadorias, agora as corporações transnacionais do agronegócio têm um setor “verde”, que poderíamos chamar de mercadorias verdes. Como tudo na sociedade se transforma em mercadoria, a agenda “verde” atraiu as classes médias e uma parte da população que já está consciente dos riscos do pacote da revolução verde. As corporações capitalistas perceberam este novo mercado e se adequaram as bandeiras “ambientalmente sustentáveis”.