O agronegócio não é o centro do universo – Por Bernardo Mançano

AGRO

Por Bernardo Mançano Fernandes

Agronegócio é uma palavra muito usada para expressar o desenvolvimento da agricultura. Mas, qual agricultura? Qual desenvolvimento? A resposta parece ser evidente: o agronegócio é o modelo de desenvolvimento da agricultura capitalista. Essa evidência foi diluída, pelos ideólogos do agronegócio que construíram uma ideologia que tem convencido quase todas as pessoas do mundo – e isto não é exagero – de que o agronegócio é uma totalidade, ou seja é o único modelo existente. Nesta compreensão a agricultura familiar é parte do agronegócio. Neste texto, vamos desconstruir essa ideologia demonstrando que agricultura familiar e agronegócio são modelos distintos de desenvolvimento. Com esta contribuição queremos fortalecer o debate crítico contra a ideologia hegemônica do agronegócio.

O agronegócio não é o centro do universo

O agronegócio é o modelo hegemônico de desenvolvimento que tem base na agricultura, mas não é o único modelo do mundo. A agricultura familiar ou camponesa é um modelo de desenvolvimento da agricultura que existe desde antes da criação do agronegócio. A diferença estrutural desses modelos são as classes sociais que produzem diferentes relações e territórios. Duas referências teóricas para compreender estas diferenças são:Mazoyer&Roudart, 2008; Fernandes, 2008. Os censos agropecuários não diferenciavam as produções desses dois modelos até 2006, quando o IBGE publicou dois censos, destacando a produção da agricultura familiar. A agricultura familiar ou camponesa será o tema de meu texto do próximo mês, agora vou focar no agronegócio.

O agronegócio é um complexo de sistemas em rede

O capitalismo construiu um complexo de sistemas em rede que envolve vários sistemas e instituições. Nas figuras 1 e 2 demonstramos como estes sistemas e estas instituições estão articulados formando uma rede em todas as escalas: local/nacional/mundial.

Figura 1

Figura 1

O capitalismo uniu um conjunto de sistemas criando um complexo em que a agricultura e a pecuária são o centro do complexo porque é o fornecedor de matérias-primas para o sistema industrial que se utiliza e produz tecnologia com apoio do sistema financeiro e domina o sistema econômico, contando com um sistema ideológico que transforma o complexo em totalidade, fazendo com que agricultores, empresários, governantes acreditem que trata-se do único modelo possível. Esse complexo de sistema está articulado em rede e envolve um conjunto de instituições.

Figura 2

Figura 2

O complexo em rede envolve organizações multilaterais como a FAO e o Banco Mundial, governos nacionais, estaduais e locais, seus ministérios e secretarias, universidades, redes de supermercados, indústrias, bancos, fundos de investimentos e partidos políticos. Ninguém escapa do agronegócio. Seus tentáculos estão em todas as partes, concentrando terra, expropriando indígenas e camponeses, dominando mercados, mostrando-se competitivo também na produção de desigualdades e problemas ambientais. Questionar este complexo é visto como um pecado e os críticos são condenados pela inquisição do agronegócio.

Crítica ao agronegócio: ciência e cultura

Ter uma postura critica ao agronegócio já não é mais um ato somente da academia. Neste carnaval de 2017, a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinensetraz um crítica ao processo de desterritorialização dos povos tradicionais: indígenas e camponeses que têm sido expropriados pelo modelo hegemônico. Em todo mundo a agricultura familiar ou camponesa se fortalecem diferenciando-se do agronegócio ao mesmo tempo que encontra-se subordinada a este império. Questionar o modelo produtor de commodities, que pratica o agroextrativismo nos países do Sul, reforçando sua economia dependente, é o caminho para superar esta condição de república de commodities.

Referências

Fernandes, Bernardo Mançano (org.) Campesinato e agronegócio na América Latina: a questão agrária atual: São Paulo: CLACSO/Expressão Popular, 2008

Mazoyer, Marcel. Roudart, Laurence. História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporânea. São Paulo: Editora da UNESP, 2008.

Sobre o autor:
Graduado em Geografia (licenciatura e bacharelado) (1988), mestrado em Geografia (1994) doutorado em Geografia (1999) pela Universidade de São Paulo. Pós-doutorado pelo Institute for the Study of Latin American and Caribbean – University of South Florida (2008) Professor Livre-Docente pela UNESP (2013). Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente. Professor do Programa de Pós – Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe – TerritoriAL – do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais – IPPRI/UNESP, campus de São Paulo. Foi professor visitante na Universidad Andina Simón Bolivar (Equador), Universidad Nacional de Córdoba e Universidad Nacional de La Plata (Argentina), Universidad de La República (Uruguai), Universidad Academia de Humanismo Cristiano (Chile), Universidad de Caldas (Colômbia), Stanford University (EUA). Coordenador da Cátedra UNESCO de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial, onde preside a coleção Vozes do Campo e a coleção Estudos Camponeses e Mudança Agrária, publicados pela Editora da Unesp. Parecerista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), SciELO – Scientific Electronic Library Online e dos seguintes periódicos: Human Geography (EUA), Jornal of Peasants Studies (Holanda), Revista Terra Livre, Revista NERA (Brasil), Cómo Pensar la Geografía (México). Pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma agrária (Nera). Membro do Conselho Pedagógico Nacional do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Autor de ?A formação do MST no Brasil? e em coautoria com João Pedro Stedile do livro ?Brava Gente?. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em desenvolvimento territorial na América Latina e Caribe, pesquisando os seguintes temas: teorias dos territórios, paradigmas da questão agrária e do capitalismo agrário, reforma agrária, desenvolvimento territorial, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Via Campesina